Por Raquel do Rosário e Diego Augusto Bayer
A
Mídia tem um papel importante no campo político, social e econômico de toda
sociedade. Através desse mecanismo essa instituição incute na população uma
consciência, uma cultura, uma forma de agir e de pensar.
O
crime desperta curiosidade na população por apresentar uma ameaça. A mídia atua
explorando essa fragilidade humana estimulando a sensação de insegurança. A
televisão tornou-se um fenômeno em massa, assim como, a alta taxa de
criminalidade e, com isto, também cresce a sensação de medo e insegurança em
toda população.
Por
nos encontrarmos em uma crise de credibilidade política, os telejornais
procuram outras categorias informativas para traduzir o interesse da sociedade
— geralmente notícias violentas. Assim, a curiosidade pela narração do crime e
suas possíveis consequências acabam por ser uma das causas de uma nova cultura
de violência, em que essa aparece como um fato normal, corriqueiro, que faz
parte do cotidiano.
Não
há com um grau de certeza a confirmação de que os meios de comunicação
influenciem na opinião pública, o fato é que existe uma influência mútua entre
o discurso sobre o crime — atos violentos — e o imaginário que a sociedade tem
dele e entre as notícias e o medo do delito. Com isso, pode-se sustentar que
existe uma relação sólida entre as ondas de informação e a sensação de
insegurança.
A
televisão se tornou um eletrodoméstico indispensável em qualquer lar e, hoje,
informar é fazer assistir. Quando a transmissão é ao vivo, as imagens passam
uma veracidade ainda maior aos telespectadores que deixam de lado as possíveis
consequências do fato noticiado.
Em
uma sociedade como o Brasil, com altos índices de criminalidade, acabam por
encontrar um mecanismo de escape na tela da televisão. Conforme relatam
Cristiano Luis Moraes e Marlene Inês Spaniol, os medos passam a ser
dramatizados em histórias de vingança e de criminosos que são levados aos
tribunais e posteriormente à prisão. Isso leva a sociedade a reagir contra o
crime como se ele fosse um drama humano, levando-nos a crer que os delinquentes
são em maior número e praticam mais delitos do que realmente o são.
A
origem do Medo
Desde
muito pequeninos aprendemos a temer o medo e a confiar em celestiais criaturas
e muitos passam a serem nossos monstros, concepções imaginárias que nos
assombram em um quarto escuro, em um sonho, em uma visita ao médico ou
dentista, em situações que estamos longe de nossos genitores e nos sentimos
ameaçados. No início de nossa existência tudo é seguro, puro e invisível aos
olhos. À medida que nos tornamos maiores – criança, adolescentes, jovens,
adultos e idosos – o medo passa a ser um de nossos principais inimigos e será
ele que, em muitos momentos, nos impedirá de seguir nossos sonhos, de arriscar
uma tentativa ou de fazer uma mudança radical. O medo passa a ser parte de nossa
vida e em tudo que fazemos sempre estará presente de alguma forma e por algum
motivo. Assim, aprendemos a temer o medo.
Segundo
Bauman (2008, p. 8), medo é o nome que damos a nossa incerteza: nossa
ignorância da ameaça e do que deve ser feito. Vivemos numa era onde o medo é
sentimento conhecido de toda criatura viva.
Boldt
(2013, p.96) assinala
Tema
central do século XXI, o medo se tornou base de aceitação popular de medidas
repressivas penais inconstitucionais, uma vez que a sensação do medo possibilita
a justificação de práticas contrárias aos direitos e liberdades individuais,
desde que mitiguem as causas do próprio medo.
O
medo pode surgir das mais variadas maneiras e nascer de qualquer canto de onde
vivemos, inclusive, em nossos próprios lares. Temos medo de comida envenenada,
de perder o emprego, de utilizar transporte público, de pessoas desconhecidas
que encontramos na rua, de pessoas conhecidas também, de inundações, de
terremotos, de furacões, de deslizamento de terras, da seca. Temos medo de atrocidades
terroristas, de crimes violentos, de agressões sexuais, de água ou ar poluído,
de entrar na própria casa e de sair dela, de parar no semáforo. Temos medo da
velhice e de ficarmos doentes, de sermos ameaçados, furtados ou roubados. Temos
medo da bolsa de valores e da crise econômica. Temos medo de voar de avião. São
tantos os nossos medos que não caberia aqui relatarmos todos.
Para
Bauman (2008, p.18), riscos são perigos calculáveis. Uma vez definidos dessa
maneira, são o que há de mais próximo da certeza. Ou seja, o futuro é nebuloso
e as pessoas não deveriam se preocupar em vencer ou não qualquer situação de
risco porque, talvez, nunca se chegue a enfrentá-la. Mas, deve prever e tentar
evitar oferecendo a si mesmo um grau de confiança e segurança, ainda que sem
garantia de sucesso.
A
mídia pode ser considerada aqui uma causadora da proliferação do medo na
sociedade, pois o medo deixou de relacionar-se a estórias de contos e mitos, da
imaginação durante reuniões de família, para ser um aglomerado de imagens e
informações que a televisão transmite todos os dias dentro de cada lar e para
todas as famílias. A sociedade deixou de imaginar os contos para viver na
realidade concreta as situações que são transmitidas através dos telejornais e
programas de entretenimento.
O
mundo líquido mostrado por Bauman é uma espécie de irrealidade dentro da qual
estamos mergulhados, um mundo de aparência absoluta, de ameaças que quase nunca
se configuram reais, mas que nos são mostradas cotidianamente, principalmente pela
mídia. Diante disso, ele expõe o medo como uma forma inconstante. Podemos ter
medo de perder o emprego, medo do terrorismo, da exclusão. O homem vive numa
ansiedade constante, num cemitério de esperanças frustradas, numa era de
temores.
E,
assim, passamos a construir inimigos e fantasmas, nos deixando levar por todo
tipo de informação que nos é imposta sem nem ao menos questionar a real
veracidade dos fatos. É inegável que vivemos em uma sociedade violenta, com
altos índices de barbáries, mas o problema não está na prevenção de possíveis
ameaças, mas em considerar que tudo e todos possam ser ameaçadores. Ou seja,
viver em alerta constante, excluindo pessoas e julgando indivíduos sem nem ao
menos conhecer por medo do perigo que esse indivíduo possa lhe trazer.
O
sentimento de insegurança não deriva tanto da carência de proteção, mas,
sobretudo, da falta de clareza dos fatos. Nessa situação difunde-se uma
ignorância de que a ameaça paira sobre as pessoas comuns e do que deve ser
feito diante da incerteza ou do medo. A consequência mais importante é uma
crise de confiança na vida, uma vez que, o mal pode estar em qualquer lugar e
que todos podem estar, de alguma forma, a seu serviço, gerando uma desconfiança
de uns com os outros.
A
influência da mídia e sua relação com o medo
A
mídia tem por objetivo atender as expectativas imediatas dos indivíduos. Ela
pode ser definida como o conjunto de meios ou ferramentas utilizados para a
transmissão de informações ao público assumindo um papel muito importante na
formação de uma sociedade menos conflituosa. Porém, em uma realidade complexa
como a nossa, a mídia desempenha um papel garantidor da manutenção do sistema
capitalista, fomentando o consumo, ditando regras e modas e agindo sobre
interesses comerciais.
A
mídia notoriamente tem papel importante na conjuntura social atual, pois exerce
influência em todos os campos, seja na família, na política e na economia,
incutindo na população uma forma de agir e pensar importante para a manutenção
da ordem.
A
mídia, quando tomou corpo de mercadoria, era disponibilizada somente para as
famílias mais abastadas. Aos poucos esse público foi sendo ampliado e o acesso
a esse tipo de informação chegou também à população menos favorecida
ocasionando o que temos hoje, um público em massa dos meios de informação
através, principalmente, da televisão.
Schecaira
(apud BAYER, 2013) entende que a mídia é uma fábrica ideológica
condicionadora, pois não hesitam em alterar a realidade dos fatos criando um
processo permanente de indução criminalizante. Assim, os meios de comunicação
desvirtuam o senso comum através da dominação e manipulação popular, através de
informações que, nem sempre, são totalmente verdadeiras.
Com
isso, propagando o medo do criminoso (identificado como pobre), os meios de comunicação
aprofundam as desigualdades e exclusão dessa parcela da sociedade, aumentando
as intolerâncias e os preconceitos. Utiliza-se do medo como estratégia de
controle, criminalização e brutalização dos pobres, de forma que seja legitimo
as demandas de pedidos por segurança, tudo em virtude do espetáculo penal
criado pela imprensa.
Criam-se
normas penais para a solução do problema, porém, o Direito Penal passa a ser
apenas um confronto aos medos sociais, ao invés de atuar como instrumento
garantidor dos bens juridicamente protegidos.
Hoje,
vivemos em constante situação de emergência e deixamos de perguntar pelo
simples fato de estar provada a barbaridade dos outros. A partir daí, muros são
construídos para separar a sociedade. Há muros que separam nações entre pobres
e ricos, mas não há muros que separam os que têm medo dos que não têm (COUTO,
2011).
A
manipulação das notícias através dos meios de comunicação aumentam os medos e
induzem ao pânico, reforçando uma falsidade à política criminal e promovendo a
criminalização e repressão, ofertando ao sistema penal uma legitimação para uma
intervenção cada vez mais repressiva, criando um verdadeiro Estado Penal.
A
mídia exerce influência sobre a representação do crime e também do delinquente
em razão do constante destaque que se dá aos crimes violentos. Assim, a mídia
vai colaborando o processo de construção de “imagem do inimigo” – no Brasil
quase sempre como dos setores de baixa renda – mas também auxilia na tarefa de
eliminá-los, desconsiderando da ética e justificando a opressão punitiva.
Através
de uma seleção de conteúdos a mídia tem o poder da construção da realidade, que
é um poder simbólico. Esse poder simbólico procura reproduzir uma ordem
homogeneizada do tempo e do pensamento, com um único objetivo, a dominação de
uns sobre os outros. Com isto, criam sujeitos incapazes de contestar o que se
lhes é apresentado de forma a garantir a ordem, a torná-los submissos e
dominados.
A
mídia incute na sociedade uma política de higienização e rotulação dos
desiguais que devem ser banidos da convivência social. Diante da propagação
dessa política, cada vez mais os cidadãos são colocados diante de questões
criminais que parecem nunca se resolver provocando uma sensação de
intranquilidade e medo. Esse último, por sua vez, é agravado pela sensação de
vulnerabilidade e de impossibilidade de defesa.
A
realidade entre medo e verdade
A
frequente exposição da crescente criminalidade através da mídia cria um
sentimento de insegurança irreal, sem qualquer fundamento racional.
Na
realidade, o principal objetivo da mídia é chamar a atenção do público e obter
lucro. Assim, a mídia passa a utilizar expedientes sensacionalistas com fatos
negativos como crimes e catástrofes, disseminando um sentimento de insegurança
no seio social, ocasionando o surgimento da cultura do medo e formando uma “Sociedade
do Medo”. Ou seja, nem tudo que vimos nos telejornais são de extrema
veracidade, grande parte desta informação tem uma intenção do porque ser
transmitida e, essa intenção, estará sempre relacionada a um fim lucrativo e
dominador social.
De
acordo com Silveira (2013), para dar sustentação ao ciclo que por diversas
formas fomenta o consumo e acarreta o lucro, a mídia, seguindo os ditames da
indústria cultural, interage com o público receptador das informações de uma
forma muito particular, visto que consegue se adaptar perfeitamente às mais
diversas classes, idades e tipos de pessoas, buscando uma relação com o público
médio.
Há
mais medo do que medo propriamente dito. A televisão tenta retratar os fatos de
forma a tornar a informação o mais real possível aproximando os acontecimentos
do cotidiano das pessoas e fazendo-as crer que aquela situação de risco poderá
acontecer a qualquer momento dentro de suas próprias casas, nos seus grupos
sociais. Assim, os telejornais propagam informações sensacionalistas através da
exploração da dor alheia, do constrangimento de vítimas desoladas e da violação
da privacidade de algumas pessoas. Para chamar a atenção do público, ainda
lançam mão de outros recursos semelhantes, como a incitação de brigas entre
vizinhos nos bairros populares e os crimes de violências sexuais cometidos por
membros de uma mesma família.
Desta
forma, mesmo que estejamos mais seguros do que em toda história da humanidade,
mesmo assim, as pessoas continuam a se sentir ameaçadas, inseguras e
apaixonadas por tudo aquilo que se refira à segurança e à proteção. Isso se dá
através do que Silveira (2013) chama de “cultura do medo”, ou seja, o que tem
levado as pessoas a intensificarem suas próprias medidas visando uma suposta
diminuição de vulnerabilidade, como a construção de muros e barreiras, assim
como a se isolarem dentro de suas próprias casas, evitando sair a eventos e
espaços públicos por medo da violência, o que configura uma mudança radical de
comportamento, algo que beira a paranoia.
Esta
forma de isolamento dos conflitos ocasiona uma espécie de divisão social, onde
as pessoas economicamente privilegiadas passam a ocupar bairros considerados
“nobres” e condomínios vigiados continuamente, restando para a camada mais
pobre da população, territórios completamente negligenciados pelo Estado,
locais em que a “elite” busca o distanciamento, diz Silveira (2013). E
complementa ainda Silveira (2013, p. 300) que “O homem enfrenta grandes dificuldades
em conseguir ver o outro como um semelhante e não como um concorrente a ser
eliminado”.
Toda
essa realidade que se forma na “cultura do medo” acaba por contribuir para o
reforço dos preconceitos na esteira da ignorância e da insegurança. Com isso,
cria-se a “Sociedade do Medo” aqui abordada que, além de cruel e
preconceituosa, passa a ser ignorante e submissa a tudo que lhe é apresentado
como verdade absoluta.
César
Vinícius Kogut e Wânia Rezende Silva expõe que o medo é fenômeno de paralisação
do senso normal da vida, altera relações de formas e espaços, traz à tona uma
imagem duvidosa, reflete insegurança, tristeza e dá noção de fragilidade. Por
isso, uma das missões fundamentais do Estado deveria ser realizar ações para
minimizar problemas e reduzir o medo proporcionando à população uma melhor
qualidade de vida, libertando os indivíduos desse sentimento para que vivam em
segurança.
Saber
que este mundo é assustador não significa viver com medo. Nossa vida está longe
de ser livre do medo, assim como, livre de ser livre de perigos e ameaças,
porém, não podemos permitir que o que vimos na TV influencie nossa vida a ponto
de pararmos de viver, a ponto de guardarmos sonhos que gostaríamos de realizar
ou de nos impedir de promover uma mudança. Não devemos nos preocupar com o que
ainda não aconteceu, mas procurar sim evitar situações que possam nos colocar
em risco e, até mesmo, nos proteger do perigo. Tudo, porém, sem permitir que o
medo e a insegurança tome conta de nosso ser e do que somos.
Julga-se
importante estabelecer os limites éticos da atuação da mídia, de forma que,
respeitem a ordem legal, discipline as atividades e defina suas
responsabilidades em relação às pessoas atingidas pela informação que se
divulga, sem, é claro, que se perca o direito de informar e de ser informado. É
preciso que a mídia banalize menos e instrua mais, sem decidir por si o que as
pessoas devem pensar e a forma como elas devem agir em relação ao que foi
noticiado.
Por
vivermos em uma sociedade complexa, onde o Estado já não mais é capaz de
cumprir com seu papel de proporcionar segurança à população, facilita ainda
mais a instalação do medo inconsciente das pessoas.
Assim,
resta à sociedade acreditar naquilo que é transmitido pela mídia e esperar por
um futuro melhor, com menos violência e crimes hediondos. Até lá, a vida segue
com uma completa divisão social, na medida em que a elite escolhe seus inimigos
nas camadas mais pobres da população e continuam condenando aqueles que menos
recursos têm: os já predestinados ao fracasso no sistema.
Como
expõe Loïc Wacquant: “tranque-os e jogue fora a chave’ torna-se o leitmotiv dos
políticos de última moda, dos criminólogos da corte e das mídias prontas a
explorar o medo do crime violento (e a maldição do criminoso) a fim de alargar
seus mercados”. Afinal, é esta política que ultimamente tem ganho voto e feito
os políticos se elegerem.
Agora,
quando os seus direitos e suas garantias fundamentais forem tiradas, só lhe
restará sentar no meio fio e chorar, afinal, você pode ter legitimado tudo
isso.