Por Marcio Moraes do Nascimento
Durante
a década de 1980 a maioria dos militantes dos movimentos sociais ocidentais
começaram a perceber que as alternativas pensadas no contexto de suas
sociedades estavam ligadas a uma estrutura global, ou seja, mais ampla. Está
mundialização da compreensão da luta dos povos, abrangeu diversas temáticas. Muitas
das questões enfrentadas pelos movimentos sociais têm um caráter que perpassa
os limites do Estado-Nação, como por exemplo, na área ambiental, um só país não
tem capacidade de proteger seus nacionais dos efeitos nocivos do aquecimento
global, da chuva ácida, etc.
As
redes de comunicações globais e o intercâmbio de culturas, trouxe a
oportunidade dos ativistas se organizarem numa base transnacional, combatendo a
globalização hegemônica “dos de cima” utilizando para isso as mesmas
ferramentas tecnológicas do bloco histórico que sustenta a hegemonia da
globalização neoliberal – fax, Internet, telefones, etc.
Como
as atividades dos grandes conglomerados econômico e financeiro são
transnacionais, a maneira de opor-se a estes, é organizar uma base
transnacional de movimentos que sustentem a luta por uma globalização “dos de
baixo”, pensar e construir modos de afirmar a globalização daqueles que pensam
que “Outro mundo é possível”.
A
partir da rebelião do Exército Zapatista de Libertação Nacional em 1994,
passando pela resistência de Seattle (1999) e em seguida os Fóruns Sociais
Mundiais e as grandes manifestações contra a Guerra do Iraque (2003), foi
conformando-se uma série de proposições contra hegemônicas que podem dar origem
a alternativas que desafiem o paradigma da globalização neoliberal.
Os
limites do mercado se tornaram claros à medida que a desigualdade social
aumentou e as contradições do modelo econômico acabou desembocando em uma série
de crises, a maior eclodiu em 2008 no centro do capitalismo e abalou uma
premissa alardeada durante os últimos 30 anos:
“Durante
trinta anos, os fundamentalistas do mercado repetiram que este tinha razão, que
a globalização era sinônimo de felicidade, e que o capitalismo financeiro
edificava o paraíso terreno para todos. Equivocaram-se.” (Ignácio Ramonet)
Muito
antes da debacle da economia mundial de 2008, cujos seus reflexos finais, ainda
são uma incógnita, formas inovadoras de ação política começaram a surgir,
desafiando a globalização neoliberal, esse processo se acelera entre 1997 e 1998,
quando houve um crescimento dos níveis de desigualdade econômica, esses novos
movimentos questionavam “ o admirável mundo novo do capital livre de
fronteiras” e as políticas implantadas pelo G7, Banco Mundial e o Fundo
Monetário Internacional.
Os
limites do “fim da história” tiveram menor intensidade na América Latina e não
impediu o surgimento de novas formas de mobilização política, essas forças
parafraseando Marx são constituídas por pessoas interessadas em produzir
história, ainda que não em condições de sua própria escolha1.
De
fato nos anos 1990, em toda América Latina surgiram inúmeras mobilizações e
resistências comandadas por organizações urbanas, rurais e indígenas, muitos
esperavam que os EUA iriam com a ajuda das elites locais reprimirem esses
movimentos e não foram poucas as vezes que governos tentaram criminalizar estas
mobilizações, seguindo a retórica de Guerra ao terror do presidente
estadunidense George W. Bush, procurando colocar as mobilizações sociais no
mesmo balaio do fundamentalismo islâmico de Osama bin Laden, levando a cabo uma
política de intimidação e coerção.
A
importância desses novos movimentos é que eles são muito mais radicais que os
partidos ortodoxos da esquerda e se engajam em uma nova pratica política, a
face mais evidente destes movimentos é o surgimento de uma intensa mobilização
camponesa no Brasil, na Bolívia, no Paraguai e no México, estes movimentos
camponeses implementam uma reformulação no terreno político e frequentemente se
aliam a outros movimentos sociais e sindicais tradicionais, formando blocos
históricos transnacionais, contra hegemônicos.
Muito
dos novos lideres desses movimentos que surgiram no campo agem como um novo
tipo de intelectual orgânico, ligada aos interesses do povo nativo, tem uma
liderança moral e intelectual, demonstram forte compromisso com a ecologia e
com os direitos das mulheres.
Assim
essas forças têm uma atuação tanto local como global, usando novas técnicas de
organização política. Além disso, os novos movimentos sociais têm uma
preocupação em entender as consequências sociais e ecológicas da globalização.
De
fato o que pode se destacar nos movimentos sociais transnacionais é o poder que
tem de transversalizar o enfoque de sua luta, dando ênfase a assuntos
fundamentais como a questão de gênero, o racismo, a ecologia e etc., portanto
esses movimentos não se assumem como vanguarda do proletariado, mas ecoa e dá
voz a uma série de atores sociais, como os camponeses, feministas, ecologistas,
setores ligados a igreja católica e intelectuais.
Além
disso, esses movimentos sociais transnacionais são providos de ferramentas de
comunicação que lhe permitem criar uma ampla rede global de movimentos,
tornando sua ação política flexível e muito mais diversificada do que os
antigos movimentos. Portanto podemos dizer que os movimentos sociais
transnacionais, além de sociais, são culturais e vinculados a importantes
questões ecológicas.
Podemos
afirmar que a ação política desses movimentos desafia as forças sociais de um
bloco histórico transnacional hegemônico, apoiado no neoliberalismo, este bloco
é formado pelos aparatos estatais do G7 e articulados com as organizações
internacionais, o FMI, o Banco Mundial, a OTAN e a OMC, basta saber se esse
bloco histórico é sustentável, dada as varias crises do neoliberalismo, e até
que ponto esses novos movimentos sociais transnacionais são capazes de formular
alternativas reais em busca de uma nova ordem global. Como salienta Emir Sader
a respeito do Fórum Social Mundial de 2011 em Dakar, Senegal2:
“O
movimento anti-neoliberal passou da fase de resistência à fase de construção de
alternativas. Este FSM demonstrará se permanece na fase de resistência, de fragmentação
de temáticas, de limitação à “sociedade civil” ou se se coloca à altura da
etapa atual de disputa hegemônica, já não mais a nível nacional ou regional,
mas a nível global, quando a crise capitalista e o esgotamento do modelo
neoliberal coloca para o FSM seu maior desafio: ser agente na construção
concreta do “outro mundo possível” ou permanecer como espaço de testemunhos,
ricos, mas impotentes”.
Concluindo,
afirmamos a fragilidade ou a total ausência de formulação na elucidação do
papel dos movimentos sociais transnacionais na nova ordem mundial por parte das
teorias das relações internacionais. Talvez por ser um fenômeno recente, os
teóricos ainda não se debruçaram de forma aprofundada sobre o tema.
A
questão dos movimentos sociais transnacionais é marginalizada no debate das
Relações Internacionais, e nossa hipótese para isso é que talvez a disciplina
reproduza, no plano empírico e teórico, a lógica dominante, por parte dos
governos e dos organismos internacionais, que é a de não reconhecimento simbólico
e institucional desses novos atores transnacionais. Esse não reconhecimento
traduz-se no imenso aparato policial criado quando da realização de eventos
organizados pela OMC, G-7, Banco Mundial.
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