A linguagem
O
homem é um ser que fala. A palavra se encontra no limiar do
universo humano, pois
caracteriza fundamentalmente o homem e o distingue do animal. Se criássemos
juntos um bebê humano e um macaquinho, não veríamos
muitas diferenças nas reações de cada um nos primeiros contatos com o mundo e
as pessoas. O desenvolvimento da percepção, da apreensão dos objetos, do
jogo com os adultos é feito de forma similar, até que em dado momento, por
volta dos dezoito
meses, o progresso do bebê humano torna impossível prosseguirmos
na comparação com o macaco, devido à capacidade que o homem
tem de ultrapassar os limites da vida animal ao entrar no mundo do
símbolo.
Poderíamos
dizer, porém, que os animais também têm linguagem. Mas a natureza dessa
comunicação não se compara à revolução que a linguagem humana provoca na relação
do homem com o mundo. É interessante o estudo da
“linguagem” das
abelhas, que dançando “comunicam” às outras onde acharam pólen.
Ninguém pode negar que o cachorro expressa a emoção por sons que
nos permitem identificar medo, dor, prazer. Quando abana o rabo ou rosna arreganhando
os dentes, o cão nos diz coisas; e quando pronunciamos a expressão “Vamos
passear”, ele nos aguarda alegremente junto à porta.
No
exemplo das abelhas, estamos diante da
linguagem programada biologicamente, idêntica na espécie. No segundo
exemplo, o do
cachorro, a manifestação não se separa da experiência vivida; ao
contrário, se esgota nela mesma, e o animal não faz
uso dos “gestos vocais” independentemente da situação na qual
surgem. Quanto a entender o que o dono diz, isso se deve ao
adestramento, e os resultados são sempre medíocres, porque mecânicos,
rígidos, geralmente obtidos mediante aprendizagem por reflexo
condicionado.
A
diferença entre a linguagem humana e a do animal está no fato de
que este não conhece o símbolo, mas somente o índice. O índice
está relacionado de forma fixa e única com a coisa a que se refere.
Por exemplo, as frases
com que adestramos o cachorro devem ser sempre as mesmas, pois são
índices, isto é,
indicam alguma coisa muito específica.
Por
outro lado, o símbolo é universal, convencional, versátil e
flexível. Consideremos a palavra cruz. Além de ser uma convenção
é “de certa forma arbitrária (é assim em português; o inglês diz cross,
e o francês croix).
Mas
a palavra cruz não tem um sentido unívoco, na medida em que faz
lembrar um instrumento
usado para executar os condenados à morte; pode representar o cristianismo; referir-se
à morte (ver seção de necrologia dos jornais); se usada de cabeça
para baixo, adquire outro significado para certos roqueiros; pod
significar apenas uma encruzilhada de caminhos; ou um enfeite, e
assim por diante, com
múltiplas, infindáveis e inimagináveis significações.
Assim,
a linguagem animal visa a adaptação à situação concreta, enquanto a linguagem
humana intervém como uma forma abstrata que distancia o homem da experiência vivida,
tornando-o capaz de reorganizá-la numa outra totalidade e lhe dar novo
sentido.
É
pela palavra que somos capazes de nos situar no tempo, lembrando o que ocorreu
no passado
e antecipando o futuro pelo pensamento. Enquanto o animal vive sempre no presente,
as dimensões humanas se ampliam para além de cada momento. É
por isso que podemos dizer que, mesmo quando o animal consegue resolver problemas,
sua inteligência é ainda concreta. Já o homem, pelo poder do símbolo,
tem inteligência abstrata.
Se
a linguagem, por meio da representação simbólica e abstrata, permite o
distanciamento do homem em relação ao mundo, também é o que possibilitará
seu retorno ao mundo para transformá-lo. Portanto,
se não tem oportunidade de desenvolver e enriquecer a linguagem,
o homem torna-se incapaz de compreender e agir sobre o mundo que o cerca.
Na
literatura, é belo (e triste) o exemplo que Graciliano Ramos nos dá com
Fabiano protagonista
de Vidas secas. A pobreza de vocabulário da personagem prejudica a tomada de consciência
da exploração a que é submetida, e a intuição que tem da situação
não é suficiente para
ajudá-la a reagir de outro modo.
Exemplo
semelhante está no livro 1984, do inglês George Orwell, cuja
história se passa num mundo do futuro dominado pelo poder
totalitário, no qual uma das tentativas de esmagamento da oposição crítica
consiste na simplificação
do vocabulário realizada pel”novilíngua”. Toda gama de sinônimos é reduzida
cada vez mais: pobreza no falar, pobreza no pensar, impotência no agir.
Se
a palavra, que distingue o homem de todos os seres vivos, se encontra
enfraquecida na
possibilidade de expressão, é o próprio homem que se desumaniza.
Filosofia da linguagem é
o ramo da filosofia que estuda a essência e natureza dos fenômenos
linguísticos. Uma das principais características da filosofia da linguagem é a
maior diferença entre o ser humano e os outros seres que existem no mundo. Ela
trata, de um ponto de vista filosófico, da natureza do significado linguístico,
da referência, do uso da linguagem, do aprendizado da linguagem, da criatividade
dos falantes, da compreensão da linguagem, da interpretação,
da tradução, de aspectos linguísticos do pensamento e da experiência.
Trata também do estudo da sintaxe, da semântica, da pragmática e
da referência. As principais questões investigadas pela disciplina são:
·
Como as frases compõem um
todo significativo? O que é o significado das "partes" (palavras) das
frases?
·
Qual a natureza do significado? O que
é o significado?
·
O que fazemos com a linguagem? Como a
usamos socialmente? Qual sua finalidade?
·
Como a linguagem se relaciona com
a mente do falante e do intérprete?
·
Como a linguagem se relaciona com o
mundo?
·
Os filósofos da linguagem não se
ocupam muito do que significam palavras ou frases individuais. Qualquer
dicionário ou enciclopédia pode resolver o problema do significado das palavras
quase sempre ou talvez. O mais interessante é o que significa para uma palavra
ou frase significar alguma coisa. Por que as expressões têm os significados que
têm? Como uma expressão pode ter o mesmo significado de outra? E,
principalmente: qual o significado de "significado"?
·
A pergunta "qual o significado
do 'significado'?" não tem uma resposta óbvia. A tradição empirista tratou
o significado do "significado" como uma ideia provocada por
um signo. Teorias da condição de verdade tratam os significados como
condições sob as quais uma frase envolvendo uma expressão pode ser verdadeira ou
falsa. Teorias do significado como uso entendem o significado como algo
relacionado a atos de fala e frases particulares. Teorias pragmatistas tratam
o significado como consequência. Teorias referenciais do significado tratam o
significado como algo equivalente às coisas no mundo conectadas às palavras que
as designam.
·
A filosofia da linguagem investiga a
relação entre o significado e a verdade. Frases sem significado podem ser
verdadeiras ou falsas? E as frases sobre coisas que não existem, como o
Papai Noel (Pai Natal)? Quando dizemos que algo é verdade, o que é
verdadeiro? A frase?
·
A questão do aprendizado da linguagem
levanta algumas questões interessantes. É possível haver pensamento sem
linguagem? O quanto a linguagem influencia o conhecimento do mundo. É possível
raciocinar sem linguagem?
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