O presente artigo tenta mostrar, através de dados históricos, como se desenvolveu o racismo no Brasil.
Quando o colonizador
português aqui chegou, no início do século XVI, encontrou um panorama étnico
bem definido: nações indígenas, possivelmente originárias da Polinésia no
Oceano Pacífico, bem distribuídas por todo o território brasileiro.
Nascia no Brasil um sincretismo cultural:
a fusão de formas e conteúdos culturais indígenas, africanos e europeus. Uma
mistura da religião católica e de cultos africanos, de melodias portuguesas e
ritmos africanos, de hábitos alimentares indígenas e de comportamentos
híbridos que formariam a base da cultura brasileira.
Inegavelmente, até
pelo fato de os indígenas terem sido excessivamente reduzidos numericamente,
fruto do contato com o branco, há predominância nítida das influências
portuguesa e africana na cultura brasileira.
Nascia, assim, um
velho mito brasileiro: o da “democracia
racial“. Alguns teóricos de orientação conservadora chegaram a
insinuar um caráter humanista do escravismo nacional, ignorando as péssimas
condições de vida e de trabalho dos escravos africanos. Hoje sabemos que os
maus-tratos eram terríveis, absoluto o descuido com os doentes e gestantes e
que o crescimento
vegetativo do negro no Brasil era negativo. Tudo isso era
economicamente “compensado” com a reposição da mão-de-obra através do tráfico
negreiro.
No século XVIII, em
função da mineração aurífera nas Minas Gerais, começaram a surgir os negros
“forros”, cativos libertos por seus proprietários interessados em estimulá-los
a descobrir o precioso metal.
O
cenário racial no século XIX
Em 1810, tratados
firmados entre a coroa portuguesa no Brasil e a Inglaterra determinavam a
abolição do tráfico, uma proibição, na prática, meramente de fachada, pois o
comércio continuou. Somente em 1850 a lei Eusébio de Queiroz aboliu
definitivamente o tráfico.
A partir daí, a defesa
da abolição total da escravatura passou a ser a bandeira de alguns setores da
nossa economia: a oligarquia cafeeira do Oeste Paulista, interessada em atrair
mão-de-obra imigrante, e os primeiros empresários industriais, que desejavam
mercado consumidor interno e mão-de-obra europeia, mais qualificada.
Além disso, a
influência de teorias
racistas europeias, que defendiam a ideia da superioridade racial e
cultural do caucasiano loiro, impuseram ao Brasil uma visão de branqueamento de
sua população através do mulato, fruto da mistura étnica entre o branco e o
negro, primeiro passo para o “projeto” de branqueamento total.
Dessa forma,
tornavam-se fundamentais a abolição da
escravatura e a vinda do branco europeu, processos que
acelerariam esse branqueamento. Na ocasião, alguns teóricos nacionais cultuavam
as capacidades de alemães e italianos e, em contrapartida, desprezavam nossa
origem racial, taxando-a de triste e preguiçosa, preconceitos ainda presentes
no nosso meio.
Grosso modo, a
abolição da escravatura no Brasil conheceu dois caminhos. No Nordeste, que
vivia a decadência da estrutura latifundiária, já que o algodão e o açúcar
estavam sem capacidade de concorrência no mercado internacional, os
proprietários rurais verdadeiramente não mais podiam manter a mão-de-obra
escrava. Como a região não possuía uma economia dinâmica nas áreas urbanas, os
negros libertos permaneciam nas fazendas como agregados ou dependentes. Assim,
no Nordeste brasileiro a abolição transformou o escravismo num regime de
trabalho semi-servil.
No Centro-Sul, com
melhor equipamento urbano estimulado pelos investimentos do capital cafeeiro na
indústria, o negro pôde ser absorvido pela forma capitalista de trabalho
assalariado. Entretanto, o despreparo dessa mão-de-obra e a concorrência do
trabalhador imigrante transformaram os contingentes libertos em massas marginalizadas
socialmente, executando tarefas de menor qualificação e menor remuneração,
realimentando o perigoso círculo vicioso do subemprego e dos preconceitos dele
decorrentes como estereótipos sociais.
Vale ressaltar que os
imigrantes europeus e asiáticos que hoje compõem boa parte da população
brasileira foram também vítimas das nossas classes dominantes, ora pelo não
cumprimento dos contratos de trabalho que deveriam reger as relações entre as
partes, ora por meros preconceitos, estimulados pela ideia de dependência do
imigrante que substituía o braço de trabalho escravo.
As
relações sociais no século XX
A marginalização
imposta a muitos grupos de imigrantes estimulou o surgimento dos primeiros
movimentos de contestação operária no Brasil, especialmente liderados por
italianos e espanhóis.
Entretanto, os negros
foram os que mais sofreram discriminação, até nas suas mais elementares
manifestações culturais. O samba, hoje importante produto de
exportação nacional, era visto como “coisa de malandro”; a capoeira,
objeto de repressão policial. Até nos esportes, em virtude da imagem que o
“país em branqueamento” queria apresentar lá fora, o negro foi preterido: em
1919, o presidente Epitácio Pessoa proibiu a atuação de negros na seleção
brasileira de futebol!
O Brasil, país
miscigenado, passou a adotar um discurso arianista. Na década de 30, a Ação
Integralista, variante brasileira do fascismo,
difundia ideias antissemitas e combatia os chamados “quistos culturais”
provocados por colônias de imigrantes.
No Estado Novo
(1937-1945), por razões eugênicas, Getúlio Vargas estipulou a obrigatoriedade
da Educação Física e da difusão de ideias de higiene, criando aqui uma cópia
mais branda das teorias raciais do fascismo europeu.
Uma segregação racial
explícita não existia, mas ocorria uma exclusão sutil e insidiosa pautada por
critérios socioeconômicos.
As
relações raciais hoje
O fim da Segunda
Guerra Mundial e, notadamente, o avanço nos anos 60 e 70 dos movimentos pelos
direitos civis nos EUA, fizeram evoluir as condições dos negros quanto à
obtenção da cidadania. A Corte Suprema norte-americana tipificou a segregação
racial como crime federal.
Este progresso que o
movimento negro americano conheceu contribuiu para o desenvolvimento de relações
igualitárias, em termos étnicos, em toda a América. Embora
tenhamos ainda, no Brasil, uma parcela significativa de pobres e excluídos de
origem negra, como consequência de um processo histórico, há um aumento recente
e representativo da classe média negra em nosso país, fruto da atuação de
diversos grupos em defesa desses direitos.
Essa condição, somada
a uma participação cada vez mais crescente da sociedade brasileira em questões
que antes eram um verdadeiro mito, dão a perspectiva de um crescimento cultural
do país no debate direto sobre a discriminação, qualquer que seja, dirigida a
grupos étnicos ou às minorias.
Inegavelmente, o mito
brasileiro de “democracia racial” dificulta uma atitude mais resoluta dos
movimentos em defesa dos direitos civis daqueles que são discriminados.
Na verdade, os
preconceitos velados que observamos em nosso meio decorrem de uma questão
socioeconômica que caracteriza a nossa história, em que a exclusão social fica
marcada pela condição étnica ou pela origem regional das pessoas.
A legislação brasileira,
embora muitas vezes não aplicada com eficácia, tem uma tradição de combater o
racismo. A lei Afonso Arinos já punia a discriminação racial e a Constituição
de 1988 configura o racismo como crime inafiançável. Apesar dos problemas
raciais que ainda conhecemos, o Brasil é, sem dúvida, um paradigma de
tolerância racial no mundo.
Por: Renan
Bardine
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